A preparação de um repertório para recital tem uma dinâmica diferente para o pianista em comparação ao instrumentista solista. Muitas vezes (para não dizer na maioria das vezes, ou todas as vezes) o instrumentista solista já vem com a leitura feita e com a música totalmente definida em aspectos interpretativos, de concepção da obra, estética e sonoridade. Enquanto isso, o pianista correpetidor tem que ler redução de orquestra, mal feita em muitos casos, estudar em paralelo o repertório do próprio instrumento e conciliar com várias atividades profissionais.
Existem duas formas de você estudar o repertório pra música de câmara. A primeira, é da forma tradicional e corriqueira que resulta em algo sonoro, mas você não se envolve realmente com o que a música tem para oferecer. O pianista e o solista pegam as partes, estudam, ouvem gravações, se adaptam, colocam em tempo, marcam alguns ensaios e vão para o recital. Interessante notar que os suíços fazem qualquer tipo de projeto com dois anos de antecedência vendo e revendo toda e qualquer possibilidade de erro e falha. Se aplicássemos isso ao estudo musical no Brasil, acho que os chineses e japoneses ficariam para trás.
A outra forma seria um acompanhamento conjunto da leitura até a concepção sonora da peça. Este leva tempo, paciência e disposição em fazer algo tão minucioso. Embora muito trabalhoso, o estudo conjunto envolvendo a leitura em diferentes tempos de andamento, as repetições dos períodos umas duas ou três vezes, o entendimento da concepção da peça e sua estética, traz um resultado muito mais prazeroso e produtivo para os dois lados. Tanto o solista quanto o pianista aprendem muito e desse trabalho surge música e não a preocupação em só acertar as notas.
Infelizmente trabalhamos muito baseados no imediatismo, onde tudo deve ser feito e preparado para amanhã. Caso contrário, não haverá horário, não haverá patrocínio, não terá público. Isto é, com certeza, uma castração do espírito do músico, que tem sua liberdade de se inspirar, entender, criar e transmitir decapitada por aspectos fúteis em relação a beleza e grandiosidade de se fazer música.